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por Rev. Chuan Zhi Shakya, OHY
Traduzido por Yao Sheng
Qualquer um que passe algum tempo com gente do Zen vai ouvir referências
à "prática". Qando quer que nos pedem para explicar o que
é que estamos praticando, nós ou fazemos comentários
vagos sobre a Natureza de Buda ou, como se fôssemos advogados místicos,
dizemos
simplesmente que estamos "praticando a Lei do Dharma".
Há uma diferença entre "Natureza de Buda" e "Natureza
Búdica". Enquanto a Natureza de Buda se refere ao fato de
um
onipresente, eterno, Verdadeiro Self - a natureza holográfica
atemporal do universo pela qual o todo é contido em cada parte -
que
somos nós, Natureza Búdica, ou Buddhi, refere-se à
habilidade
inata de transcender os confins do universo físico para experimentar
esta unidade
suprema. Mas mais que uma habilidade, é uma forca de amor que
nos inspira a procurar esta unificação. Shri Krishna a descreve
no
Bhagavad Gita como o "processo ativo daconsciência". Psicologicamente
falando, é "aquilo" que preenche o vazio entre consciência
e a produção de pensamentos) - aquilo que os koans foram
projetados para iluminar. É a inefável qualidade da sabedoria.
A ação correta é produto do amor - do bem natural
na humanidade exercitado simplesmente pelo bem da humanidade. Nossa Natureza
Búdica
vive e respira como se tivesse vida própria, uma vida que pode
acordar em nós a qualquer momento. Quando acorda, descobrimos com
surpreendente clareza a essência da Ação Correta.
O conceito, quando apresentado em termos intelectuais obscuros, é
difícil de
examinar. Nós o entendemos mais claramente quando o vemos em
ação.
Recentemente, um membro da nossa Sangha, que é um ocupado cirurgião
residente em um hospital em uma cidade, e sua admitidamente
negligenciada esposa tiraram férias que estavam esperando há
mais de um ano. São fotógrafos amadores, e tinham comprado
um pacote para
fazer um tour por uma remota ilha da Polinésia. O ponto alto
da viagem seria um passeio de barco rio acima até uma cachoeira
espetacular; mas
a viagem não saiu como se esperava. Quando ele voltou perguntei
se havia gostado das cachoeiras; ele balançou a cabeça e
disse
simplesmente, "não cheguei até lá". O comentário
soava estranho, mas ele não teve tempo de explicar e então,
uma hora depois, quando sua esposa
ligou perguntando se eu estaria disponível para uma conversa
particular, juntei dois e dois e consegui cinco.
Eu sabia que sua esposa ressentia-se por causa de sua prática
Zen. Ela entendia e aceitava a demanda profissional sobre seu tempo, mas
em
casa ela não estava inclinada e ceder cinco minutos para que
ele meditasse. Para ela, o Zen não servia para nada e não
fazia diferença.
Quando ela chegou, a última coisa que eu esperava é que
ela me pedisse que desse a ela instrução no Zen e preparação
para receber Preceitos
Budistas. Ela havia tido um vislumbre do Dharma em Ação,
ela disse, e queria ver mais.
Ela disse que no grande dia da excursão para a cachoeira, enquanto
tomavam café logo antes de entrar no barco, um dos cozinheiros veio
da
cozinha até a mesa deles. Seu comportamento mostrava que estava
muito preocupado. "Eu soube que o senhor é médico, "disse
ao marido". "Minha filha está muito doente. O senhor pode ajudá-la?
Nós moramos em uma vila a menos de 5 milhas pela selva, à
pé".
"Fiquei muda," ela disse. "Eu podia ver que meu marido havia ficado
tenso e esperava que ele dissesse 'Desculpe' e gentilmente
explicasse ao homem que seria impossível ir. Mas ao invés
disso, ele fechou os olhos - por um momento apenas - e um olhar de paz
veio sobre
sua face. Então ele disse, 'Me dê um momento para falar
com minha esposa.'
"Eu não podia acreditar que nem mesmo pensaria em ir. Da maneira
como ele via, eu tinha três opções e ele tinha uma.
Eu poderia ir com os
outros para a cachoeira, ou ficar no hotel, ou acompanhá-lo
para examinar a criança doente. Mas ele só poderia fazer
uma coisa... 'a
coisa Zen', como ele disse. Eu fiquei indignada. Eram as nossas férias!
Eu não disse nem mais uma palavra. Só saí do restaurante
e fui para
a doca e entrei no barco.
"Evidentemente, foram maus momentos para mim. Não queria falar
com ninguém. Quebrei a câmera tentando forcar filme nela e
não tirei
fotos, mas não me importei. Me lembro de ter dito aldo idiota
como... 'Se você viu uma cachoeira, já viu todas.' Eu ainda
estava
assim, miserável, quando voltamos ao hotel e meu marido
não havia voltado ainda. Havia uma mensagem para mim, transmitida
por
rádio. Havia uma pequena clínica na vila... Mas nenhum
médico. Ele havia levado a garota lá e retirado urgentemente
seu
apêndice. Voltaria no outro dia.
"Eu estava tão só na minha raiva que não tinha
percebido que todo o hotel estava falando sobre o incidente. Na hora do
almoço ele voltou e
quando entramos no restaurante todos ficaram em pé e aplaudiram.
Ele apenas acenou e sentou-se comigo. Nunca na minha vida me senti com
tanta vergonha e tão orgulhosa no mesmo instante. O pessoal
da cozinha trouxe cestas com frutas e peixes e coroas de flores. Um dos
homens que havia ido para a cachoeira - um fotógrafo cujo trabalho
nós admirávamos - trouxe um rolo de filme dizendo que havia
tirado as
fotos para ele. Disse que esperava que estivessem boas. Eu fiquei ali,
muda... Como uma estátua de uma deusa índia com todas aquelas
flores
pelo meu pescoço e todos se curvando para mimi. Não sabia
o que dizer.
"Então eu fui ver uma cachoeira, e se não fosse pelas
fotos que outra pessoa tirou, eu não poderia descrev6e-la a um cego.
Não vi nada além
da minha raiva. Mas a beleza do lugar estava lá... Nos olhos
de todos que olhavam para meu marido com tanta admiração.
Ele viu além da
cachoeira. Eu estava certa sobre uma coisa: se você viu uma cachoeira,
viu todas. O que eu não tinha percebido é que enquanto
qualquer tolo pode ver uma cachoeira, só raros indivíduos
podem ver através dela, podem ver dentro de todos os outros olhos
que já a
viram, pode ver que o que todos estavam admirando era o trabalho de
Deus. E meu marido diria, 'Eu sou Buddhista. Para o Buddhista só
existe o Dharma.'"
Ela se arrependeu profundamente de não ter ido com ele ajudar
a criança; mas eu lhe disse que o resultado não poderia ter
sido
melhor. Se tivesse ido, poderia não ter começado a 'virar
a roda' e ganhar esta visão da sabedoria - Buddhi.
"Naquele breve momento em que seu marido fechou os olhos e concordou
em atender a criança, ele invocou Buddhi," disse a ela, "e isto
alterou sua perspectiva. Ele não sabia se poderia de alguma
forma ajudar a criança... Ele é um cirurgião e talvez
ela precisasse de um
internista... E ele não sabia como você responderia. mas
o que ele não sabia não era importante. Ele tinha deixado
de confiar no seu
intelecto racional para lidar com a situação, para agora
usar
o coração. Como ele poderia não ter ido? Então,
você viu o poder do
Dharma em primeira mão. Ele nos toma e nos levanta - isto é
sobre o que todos nós, Zenistas, falamos tanto!" Ela queria saber
mais... Sentir por si mesma o que havia apenas intuído. ela
queria que tão extraordinário significado e propósito
se tornassem experiência
comum na sua vida e que isto só poderia significar acessar a
essência do Budismo: a Natureza Búdica da Natureza de Buda.
Ela queria praticar
o Zen.
Muitos anos atrás li uma história de ficção
científica de David Brin chamada O Efeito Prática.
O protagonista, Dennis Nuel, encontra um
mundo onde a segunda lei da termodinâmica é reversa: ao
invés das coisas "gastarem" com o uso, elas "renovam" - ficam melhores
e mais
fortes. Assim, objetos úteis são criados quando as pessoas
os "praticam". uma roda é criada de uma pedra simplesmente ao ser
girada. Primeiro a roda pode não ser vista claramente na pedra,
o que faz a prática difícil, mas mais cedo ou mais tarde,
se praticada com
diligência e perseverança, ela rola sem exigir esforço
para onde quer que seja empurrada.
Buddhi é a roda do Zen. Primeiro não vemos claramente
e a prática parece impossível, mas esta é a Lei do
Dharma, e não termodinâmica, e
a fé tem que ser dirigida para algo não visível,
não científico e não racional. É um grande
salto de cognição -- significa reconhecer a
possibilidade de algo além da percepção racional
- fora, mesmo, da percepção sensorial. Significa parar o
processo de raciocínio que nos
cega e não nos deixa ver os domínios da experiência
mística. Quando a roda aparece, visível, pela primeira vez,
começamos a experimentar a
fusão de Karma e Dharma, Ação e a Lei que ela
obedece. Quando podemos ver o ego como a ilusão que ele é,
ações dedicadas à sua preservação
ou gratificação parecem ridículas.
Um processo que começa com um pequeno ato de vontade, se mantido,
cresce em uma Vontade que nos consome -- como o Efeito Prática de
David Brinn, conseguimos perfeição na forma e no ser
através da prática. Quando estamos em contato com Buddhi,
não interessa o que
estivermos fazendo, nossas ações serão bem guiadas,
quaisquer que sejam. Que alegria ser um participante ativo nesta vida!
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